domingo, 20 de março de 2011

O valor da filosofia da educação

Rui Daniel Cunha
Gabinete de Filosofia da Educação
Faculdade de Letras da Universidade do Porto


Será a filosofia da educação importante? E porquê? Eis o problema que está no centro deste trabalho. Proponho-me responder que vale a pena fazer filosofia da educação, argumentando brevemente a favor de três teses acerca da filosofia da educação e da sua relevância apresentadas por Amélie Oksenberg Rorty. O efeito de tal argumentação é demonstrar o imprescindível valor da filosofia da educação, se se quer pensar, decidir e melhorar o estado da educação — em Portugal ou em qualquer outro lado. Ao mostrar a importância da filosofia da educação quer em termos de valor intrínseco do seu saber quer em termos do seu valor instrumental responde-se afinal à pergunta "Para que serve a Filosofia da Educação?".
Num texto bem conhecido,1 Amélie Oksenberg Rorty apresenta, de forma clara e concisa, as seguintes três teses fundamentais:
  1. A filosofia da educação merece, pela importância do seu objecto de estudo, um lugar relevante entre as várias áreas da filosofia, a par de todas as restantes, contrariamente ao que por vezes se pensa.
  2. A filosofia da educação, também contrariamente ao que por vezes se pensa, é directamente relevante para as decisões de política educativa, no sentido de que boa parte das actuais questões polémicas de política educativa retomam questões polémicas clássicas de filosofia da educação, que as pode clarificar e enquadrar, e logo propiciar uma melhor decisão.
  3. A história da filosofia é uma história de ideias e de pensadores nos quais aparece frequentemente — e de modo relevante, igualmente contrariamente ao que por vezes se pensa — o problema de saber quais são as implicações pedagógicas da diversidade das teorias filosóficas por eles formuladas e defendidas.
Consideremos então a primeira tese de Amélie Oksenberg Rorty: vale a pena pensar seriamente acerca dos problemas de filosofia da educação exactamente como vale a pena pensar seriamente acerca dos problemas de ética ou de estética, por exemplo. Porquê? Deixe-me aqui fazer apelo a John Locke:
"Penso poder dizer de todos os seres humanos que nove décimos daquilo que eles são, bons ou maus, úteis ou inúteis, devem-no à sua educação. Esta é a causa das grandes diferenças entre os seres humanos."2
Deste modo, se a educação recebida é decisiva na vida de cada pessoa, como argumenta Locke, então a reflexão acerca da própria educação e de como educar bem (qual é e como organizar a melhor educação possível?) é decisiva para qualquer sociedade. Logo, a disciplina que se ocupa justamente de pensar a educação (os seus fundamentos, as suas finalidades, os seus valores, os seus processos) — a filosofia da educação — é da maior importância para todos nós, e em particular para filósofos, educadores e decisores.
É por isso mesmo que vale a pena fazer filosofia da educação — enquanto valor intrínseco que todo o saber tem (no caso, o saber filosófico educacional), obviamente, mas também em termos do seu valor instrumental: o estudo da filosofia da educação justifica-se instrumentalmente por permitir um progresso no nível de reflexão conceptual acerca da educação, exactamente da mesma maneira que o estudo da ética permite um progresso no nível de reflexão conceptual acerca da vida moral, ou o estudo da estética permite um progresso no nível de reflexão conceptual acerca da arte.
Vejamos agora a segunda tese de Amélie Oksenberg Rorty: a filosofia da educação é um auxiliar útil para as decisões de política educativa. De facto, não basta pensar bem a educação. Para que a educação melhore, é preciso decidir bem os assuntos educativos. Justamente, a utilidade prática da filosofia da educação reside em possibilitar essa decisão adequada.
Não é possível decidir bem em educação sem conceber bem a educação. E não é possível conceber bem a educação sem abordar o conjunto de conceitos, problemas, teorias e argumentos existentes em filosofia da educação. Sem um conhecimento desta, portanto, nada de bom pode ser feito em termos educativos. Seria como querer construir o Parténon sem saber arquitectura. O resultado seria um desastre — tal como o será qualquer política educativa que dispense o nível de reflexão conceptual propiciado pela filosofia da educação.
Consideremos, por fim, a terceira tese de Amélie Oksenberg Rorty: ensinar bem história da filosofia tem de significar ensinar também, entre outras coisas, história da filosofia da educação. O que a autora quer dizer é que a história da filosofia não é apenas a história das teorias epistemológicas, políticas, éticas, estéticas, metafísicas, etc., produzidas pelos diversos pensadores que dela constam. É também a história das teorias acerca da educação que alguns desses mesmos pensadores — Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Locke, Rousseau, Kant, Dewey, para referir apenas alguns exemplos — construíram.
Esta tese nada tem de estranho: seria impossível ensinar bem história da filosofia sem ensinar a história das teorias éticas — de Hume, Stuart Mill ou Nietzsche, por exemplo. Tal como é também impossível ensinar bem história da filosofia sem ensinar a história das teorias políticas — de Platão, Aristóteles ou Rawls, por exemplo. Ou a história das teorias epistemológicas — de Descartes, Locke ou Kant, por exemplo.
Enfim, parece inútil multiplicar os exemplos; se a filosofia da educação é uma área relevante da filosofia, tão relevante como as outras — e já vimos que sim — então vale a pena ensinar a história das teorias educacionais de natureza filosófica no ensino — no bom ensino, sublinho — da história da filosofia em geral, exactamente da mesma maneira que é necessário ensinar a história das teorias éticas, políticas ou epistemológicas.
Permita-me apresentar ainda uma outra razão justificativa do valor da filosofia da educação, que Amélie Oksenberg Rorty não aborda: a sua interdisciplinaridade. De facto, a filosofia da educação é um espaço interdisciplinar por excelência: ela tanto é uma área relevante da filosofia, como é uma área daquilo a que no mundo anglo-saxónico se chama educational studies, e que por cá é corrente denominar, à francesa, "Ciências da Educação".
Esta dupla legitimidade institucional será útil se servir para garantir que os contributos relevantes para a filosofia da educação tanto podem provir do terreno da filosofia, como acontece tradicionalmente, como das ciências da educação — ambas sujeitas por igual ao único critério possível para medir qualquer progresso: a excelência académica. Qualidade, originalidade e relevância são as características perenes da excelência académica — e não a proveniência institucional de quem quer que queira pensar seriamente acerca da educação.
Tal como a lógica é a ponte entre a filosofia e a matemática, ou a estética o é entre a filosofia e a arte, assim a filosofia da educação serve de ligação entre a filosofia e as ciências da educação. Ora, se o conhecimento humano tende para uma especialização crescente, fará sentido não considerarmos essa direcção para a especialização como a única possibilidade de valor, designadamente se o progresso do conhecimento humano exigir também uma outra direcção: a de uma interligação — e não fragmentação — entre áreas distintas do saber, de que é exemplo paradigmático a chamada ciência cognitiva. Se, e só se, claro, com isso gerarmos um novo progresso no saber humano.
Para concluir, argumentei neste curto ensaio que filósofos, educadores e decisores, em particular, mas também a sociedade, em geral, precisam de filosofia da educação, se se pretende melhorar o estado das coisas em educação. E é justamente nesta necessidade que reside, em última instância, o valor perene da filosofia da educação.

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