segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PLANO DE ENSINO DE COMPONENTE CURRICULAR

EMENTA

A filosofia antiga e sua implicação no processo de formação do homem. Princípios e conceitos éticos e a educação na antiguidade. Princípios e conceitos políticos e a educação. Filosofia e educação. A filosofia moderna e contemporânea e sua implicação no processo de formação do homem. Princípios e conceitos éticos e a educação. Princípios e conceitos políticos e a educação. Tendências Pedagógicas Liberais. Tendências Pedagógicas Progressistas e Sócio-integracionistas.

OBJETIVOS

Contribuir para a compreensão e reconhecimento da função da filosofia no processo educacional e nos processos de ensino e de aprendizagem;
Contribuir para a compreensão das relações entre os sistemas filosóficos e as teorias educacionais.

METODOLOGIA DE ENSINO

Serão utilizados como procedimentos metodológicos: exposição interativa dialogada, pesquisa bibliográfica, atividades lúdicas, seminários, leitura fílmica, estudo e discussão de textos e produção de relatório individual.

FORMA DE AVALIAÇÃO DO APRENDIZADO

A avaliação será feita por meio de  fichamento comentado(10,0), atividade em grupo (seminário) (10,0) e apresentação de um relatório final critico individual sobre os temas estudados (10,0). A nota final será dada pela media aritmética das 3 avaliações. 

BIBLIOGRAFIA BÁSICA DO COMPONENTE CURRICULAR


ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2009. 479 p.
LUCKESI, Cipriano. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 2007. 183 p.
CHAUÍ, Marilena de Sousa. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006. 424 p.
GILES, Thomas R. Filosofia da educação. São Paulo: EPU, 2007. 114 p.

FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA - LIÇÕES PRELIMINARES de MANUEL GARCIA MORENTE

A FILOSOFIA E SUA VIVÊNCIA.
A filosofia é, de imediato, algo que o homem faz, que o homem tem feito, o que primeiro devemos tentar, pois, é definir esse "fazer" que chamamos filosofia. Deveremos, pelo menos, dar um conceito geral da filosofia, e talvez fosse a incumbência desta primeira lição explicar e expor o que é a filosofia. Mas isto é impossível. É absolutamente impossível dizer de antemão o que é filosofia. Não se pode definir a filosofia antes de fazê-la; como não se pode definir em gerai nenhuma ciência, nenhuma disciplina, antes de entrar diretamente no trabalho de fazê-la.
Uma ciência, uma disciplina, um "fazer" humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua noção precisa, quando já o homem domina este fazer. Só se sabe o que é filosofia quando se é realmente filósofo. Que quer dizer isto? Isto quer dizer que a filosofia, mais do que qualquer outra disciplina, necessita ser vivida. Necessitamos ter dela uma "vivência". A palavra "vivência" foi introduzida no vocabulário espanhol pelos colaboradores da Revista de Ocidente, como tradução da palavra alemã Erlebnis. Vivência significa o que temos realmente em nosso ser psíquico; o que real e verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra "ter".
Vou dar um exemplo para que se compreenda bem o que é "vivência". O exemplo não é meu, é de Bergson.
Uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes das ruas; estudar suas direções; depois pode estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries das fotografias do Museu do Louvre, uma por uma. Depois de ter estudado o mapa e os monumentos pode este homem procurar para si uma visão das perspectivas de Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos pontos. Pode chegar dessa maneira a ter uma idéia bastante clara, muito clara, claríssima, pormenorizadíssima, de Paris. Semelhante idéia poderá ir aperfeiçoando-se cada vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos; mas sempre será uma simples idéia. Ao contrário, vinte minutos de passeio a pé por Paris são uma vivência.
Entre vinte minutos de passeio a pé por uma rua de Paris e a mais vasta e minuciosa coleção de fotografias, há um abismo. Isto é uma simples idéia, uma representação, um conceito, uma elaboração intelectual; enquanto que aquilo é colocar-se realmente em presença do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo própria e realmente na vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia, que o substitua; não o mapa, não o esquema, que o substitua, mas ele próprio. Pois o que-nós vamos fazer é viver a filosofia.
Para vivê-la é indispensável entrar nela como se entra numa selva, entrar nela para explorá-la.
Nesta primeira exploração, evidentemente, não viveremos a totalidade deste território que se chama filosofia, passearemos por algumas de suas avenidas; penetraremos em alguns de seus jardins e de suas matas; viveremos realmente algumas de suas questões; porém outras talvez nem sequer saberemos que existem. Poderemos dessas outras ou da totalidade do território filosófico ter alguma idéia, algum esquema, como quando preparamos uma viagem temos de antemão uma idéia ou um esquema lendo previamente o guia Baedeker. Porém, viver, viver a realidade filosófica, é algo que não poderemos fazer senão em certo número de questões e de certos pontos de vista.
De vez em quando, nestas nossas viagens, nessa nossa peregrinação pelo território da filosofia, poderemos deter-nos a fazer balanço, fazer levantamento do conjunto das experiências, das vivências que tenhamos tido; e então poderemos formular alguma definição geral da filosofia, baseada nessas autênticas vivências que tenhamos tido até então.
Esta definição terá então sentido, estará cheia de sentido, porque haverá dentro dela vivências nossas, pessoais. Pelo contrário, uma definição de filosofia, que se dê antes de tê-la vivido, não pode ter sentido, resultará ininteligível. Parecerá talvez inteligível nos seus termos; será composta de palavras que oferecem sentido; mas este sentido não estará cheio da vivência real. Não terá para nós essas amplas ressonâncias de algo que por longo tempo estivemos vivendo.
Definições filosóficas e vivências filosóficas.
Assim, por exemplo, é possível reduzir os sistemas filosóficos de alguns grandes filósofos a uma ou duas fórmulas muito densas, muito bem elaboradas. Mas, que dizem essas fórmulas para quem não caminhou ao longo das páginas dos livros desses filósofos? Assim dizemos, por exemplo, que o sistema de Hegel pode ser resumido na fórmula de que "todo o racional é real e todo o real é racional", e está certo que o sistema de Hegel pode resumir-se nessa fórmula. Está certo também que essa fórmula apresenta um sentido imediato, inteligível, que é a identificação do racional com o real, tanto colocando como sujeito o racional e como objeto o real, como invertendo os termos da proposição e colocando o real por sujeito e o racional por predicado.
Mas, apesar desse sentido aparente e imediato que tem esta fórmula, e apesar de ser realmente uma fórmula que expressa em conjunto bastante bem o conteúdo do sistema hegeliano, que nos diz? Não nos diz nada. Não nos diz nem mais nem menos que o nome de uma cidade que não vimos, o nome de uma rua pela qual não passamos nunca. Se eu digo que a Avenida dos Campos Elíseos está entre a praça da Concórdia e a praça da Estrela, faço uma frase com sentido; mas dentro desse sentido pode-se colocar uma realidade autenticamente vivida.
Pelo contrário, se nos pomos a ler, a meditar, os difíceis livros de Hegel; se mergulhamos e bracejamos no mar sem fundo da Lógica, da Fenomenologia do Espírito ou da Filosofia da História Universal, no cabo de algum tempo de conviver, pela leitura, com estes livros de Hegel, viveremos essa filosofia; estes secretos caminhos nos serão conhecidos, familiares; as diferentes deduções, os raciocínios por onde Hegel vai passando duma afirmação a outra, duma tese a outra, os teremos percorrido guiados pelo grande filósofo. E então, depois de vivê-los durante algum tempo, ao ouvirmos enunciar a fórmula de "todo o racional é real e todo o real é racional", encheremos esta fórmula de um conteúdo vital, de algo que vivemos realmente, e adquirirá esta fórmula uma quantidade de sentidos e de ressonâncias infinitas que antes não tinha.
Pois bem: se eu agora desse alguma definição da filosofia, ou se me pusesse a discutir várias definições da filosofia, seria exatamente o mesmo que oferecer a fórmula do sistema hegeliano. Não poria o leitor dentro dessa definição nenhuma vivência pessoal. Por isso me abstenho de dar uma definição da filosofia. Somente, repito, quando tivermos percorrido algum caminho, por pequeno que seja, dentro da própria filosofia, então poderemos, de vez em quando, fazer alto, voltar atrás, recapitular as vivências tidas e tentar alguma fórmula geral que recolha, palpitante de vida, essas representações experimentadas realmente por nós mesmos.
Assim, pois, estas lições de FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA vão ser como umas viagens de exploração dentro do continente filosófico. Cada uma dessas viagens seguirá uma senda e irá explorar uma província. As demais serão objeto de outras viagens, de outras explorações, e pouco a pouco iremos sentindo como o círculo de problemas, o círculo de reflexões e meditações, umas de grande vôo, outras minuciosas e, por assim dizer, como que microscópicas, constituem o corpo palpitante disso que chamamos a filosofia.
É a primeira viagem que vamos fazer, por assim dizer, em aeroplano: uma exploração panorâmica. Vamos perguntar-nos, desde já, que designa a palavra "filosofia".
Sentido da palavra "filosofia".
A palavra "filosofia" tem que designar algo. Não vamos ver o que é esse algo que a palavra designa, mas simplesmente assinalá-lo, dizer: está aí.
Evidentemente, todos sabemos o que a palavra "filosofia", na sua estrutura verbal, significa. É formada pelas palavras gregas philos e sophia, que significam "amor à sabedoria". Filósofo é o amante da sabedoria. Porém este significado dura na história pouco tempo. Em Heródoto, em Tucídides, talvez nos pré-socráticos, uma ou outra vez, durante pouco tempo, tem este significado primitivo de amor à sabedoria. Imediatamente passa a ter outro significado: significa .a própria sabedoria. De modo que, já nos primeiros tempos da autêntica cultura grega, filosofia significa, não o simples afã ou o simples amor à sabedoria, mas a própria sabedoria.
E aqui nos encontramos já com o primeiro problema: se a filosofia é o saber. Que classe de saber é o saber filosófico? Porque há muitas classes de saber: há o saber que todos temos sem ter aprendido nem refletido sobre nada; e há outro saber, que é o que adquirimos quando o procuramos. Há um saber, pois, que temos sem tê-lo procurado, que encontramos sem tê-lo procurado, como Pascal encontrava a Deus sem procurá-lo; mas há outro saber que não temos senão quando o procuramos, e que, se não o procuramos, não o temos.

A filosofia antiga.
Esta duplicidade na palavra "saber" corresponde à distinção entre a simples opinião e o conhecimento racionalmente bem fundado, com esta distinção entre a opinião e o conhecimento fundamentado inicia Platão a sua filosofia. Distingue o que ele chama doxa, opinião (a palavra doxa encontramo-la na bem conhecida paradoxa, paradoxo, que é a opinião que se afasta da opinião corrente), e frente à opinião, que é o saber que temos sem tê-lo procurado, coloca Platão a episteme, a ciência, que é o saber que temos porque o procuramos. E então, a filosofia já não significa "amor à sabedoria", nem tampouco significa o saber em geral, qualquer saber; senão que significa esse saber especial que temos, que adquirimos depois de tê-lo procurado e de tê-lo procurado metòdicamente, por meio de um método, ou seja, seguindo determinados caminhos, aplicando determinadas funções mentais à pesquisa. Para Platão o método da filosofia, no sentido do saber reflexivo que encontramos depois de tê-lo procurado propositalmente, é a dialética. Quer dizer, que quando não sabemos nada, ou o que sabemos, o sabemos sem tê-lo procurado, como a opinião, é um saber que não vale nada; quando nada sabemos mas queremos saber; quando queremos aproximar-nos ou chegar a essa episteme, a este saber racional e reflexivo, temos que aplicar um método para encontrá-lo, e esse método Platão o chama dialética. A dialética consiste em supor que o que queremos averiguar é tal coisa ou tal outra; isto é, antecipar o saber que procuramos, mas logo depois negar e discutir essa tese ou essa afirmação que fizemos e depurá-la em discussão.
Ele chama, pois, dialética a esse método da autodiscussão, porque é uma espécie de diálogo consigo mesmo. E assim, supondo que as coisas são isto ou aquilo, e logo discutindo essa suposição para substituí-la por outra melhor, acabamos pouco a pouco chegando ao conhecimento que resiste a todas as críticas e a todas as discussões; e quando chegamos a uma conhecimento que resiste às discussões dialogadas ou dialéticas, então temos o saber filosófico, a sabedoria autêntica, a epistéme, como a chama Platão, a ciência.
Com Platão, pois, a palavra "filosofia" adquire o sentido de saber racional, saber reflexivo, saber adquirido mediante o método dialético.
Esse mesmo sentido tem a palavra "filosofia" no sucessor de Platão, Aristóteles. O que acontece é que Aristóteles é um grande espírito que faz avançar extraordinariamente o cabedal dos conhecimentos adquiridos reflexivamente. E então a palavra "filosofia" tem ja em Aristóteles o volume enorme de compreender dentro do seu seio e de designar a totalidade dos conhecimentos humanos. O homem conhece reflexivamente certas coisas depois de tê-las estudado e pesquisado. Todas as coisas que o homem conhece e o conhecimento dessas coisas, todo esse conjunto do saber humano, designa-o Aristóteles com a palavra "filosofia". E desde Aristóteles continua empre-gando-se a palavra "filosofia" na história da cultura humana com o sentido da totalidade do conhecimento humano.
Na filosofia, então, distinguem-se diferentes partes. Na época de Aristóteles a distinção ou distribuição corrente das partes dá filosofia era: lógica, física, metafísica e ética.
A lógica, na época de Aristóteles, era a parte da filosofia que estudava os meios de adquirir o conhecimento, os métodos do pensamento humano para chegar a conhecer ou as diversas maneiras de que se vale para alcançar conhecimento do ser das coisas.
A palavra "física" designava a segunda parte da filosofia. A física era o conjunto de nosso saber acerca de todas as coisas, fossem quais fossem. Todas as coisas, e a alma humana entre elas, estavam dentro da física, por isso a psicologia, para Aristóteles, formava parte da física, e a física, por sua vez, era a segunda parte da filosofia.
A ética era o nome geral com que se designava na Grécia, na época de Aristóteles, todos os nossos conhecimentos acerca das atividades do homem; o que o homem é; o que o homem produz, que não está na natureza, que não forma parte da física, mas antes é feito pelo homem. O homem, por exemplo, faz o Estado, vai â guerra, tem família, é músico, poeta, pintor, escultor; sobretudo é escultor para os gregos. Pois tudo isto compreendia Aristóteles sob o nome de ética, uma de cujas subpartes era a política.
Todavia a palavra "filosofia" abrangia, repito, todo o conjunto dos conhecimentos que o homem podia alcançar. Valia tanto como saber racional
A filosofia da Idade Média
Este sentido da palavra "filosofia" continua através da Idade Média; mas já no começo desta desprende-se desse totum revolutum, que é a filosofia de então, uma série de pesquisas, de questões, de pensamentos, que ao separar-se do tronco da filosofia, constituem uma disciplina à parte. São todos os pensamentos, todos os conhecimentos que temos acerca de Deus, já os obtidos pela luz natural, já os recebidos por divina revelação. Os nossos conhecimentos acerca de Deus, e sobretudo os de origem revelada, se separam do resto dos conhecimentos e constituem então a teologia.
Pode-se dizer assim que o saber humano durante a Idade Média dividiu-se em dois grandes setores: teologia e filosofia. A teologia são os conhecimentos acerca de Deuse a filosofia os conhecimentos humanos acerca das coisas da Natureza e até mesmo de Deus por via racional.
Nesta situação a palavra "filosofia" continua designando todo conhecimento, menos o de Deus. E assim adentrou muito o século XVII. E ainda existem no mundo moderno alguns resíduos desse sentido totalitário da palavra "filosofia". Por exemplo, no século XVII, o livro em que Isaac Newton expõe a teoria da gravitação universal, que é um livro de física, diríamos hoje, leva por título Philosophiae, Naturalis Principia Mathematica, ou seja "Princípios matemáticos da filosofia natural". Quer dizer, que na época de Newton a palavra "filosofia" significava ainda o mesmo que na Idade Média ou na época de Aristóteles: a ciência total das coisas.
Mas ainda hoje em dia há um país, que é a Alemanha, onde as Faculdades universitárias são as seguintes: a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Teologia e a Faculdade de Filosofia. Que se estuda, então, só com o nome de Faculdade de Filosofia? Tudo o que não é nem direito, nem medicina, nem teologia, ou seja, todo o saber humano em geral. Numa mesma Faculdade se estuda, pois, na Alemanha, a química, a física, as matemáticas, a ética, a psicologia, a metafísica, a ontologia. De sorte que aqui fica ainda um resíduo do velho sentido da palavra "filosofia" na distribuição das Faculdades alemãs.
A filosofia na Idade Moderna.
Mas na realidade, a partir do século XVII, o campo imenso da filosofia começa a partir-se. Começam a sair do seio da filosofia as ciências particulares, não somente porque essas ciências vão se constituindo com seu objeto próprio, seus métodos próprios e seus progressos próprios, como também porque pouco a pouco os cultivadores vão igualmente se especializando.
Ainda Descartes é ao mesmo tempo filósofo, matemático e físico. Ainda Leibniz é ao mesmo tempo matemático, filósofo e físico. Ainda são espíritos enciclopédicos. Ainda pode-se dizer de Descartes e de Leibniz, como se diz de Aristóteles, "o filósofo", no sentido de que abrange a ciência toda de tudo quanto pode ser conhecido. Talvez ainda de Kant possa se dizer algo parecido, embora Kant já não soubesse toda a matemática que havia em seu tempo; Kant já não sabia toda a física que havia em seu tempo; não sabia toda a biologia que havia em seu tempo. Kant já não descobre nada em matemática, nem em física, nem em biologia, enquanto que Descartes e Leibniz ainda descobrem teoremas novos em física e em matemática.
Mas a partir do século XVIII não resta nenhum espírito humano capaz de conter numa só unidade a enciclopédia do saber humano; e então a palavra "filosofia" não designa a enciclopédia do saber; desse total foram desprendendo-se as matemáticas por um lado, a física por outro, a química, a astronomia etc.
E então que é a filosofia? Pois então a filosofia vem circunscrevendo-se ao que resta depois de se ter tirado tudo isto. Se a todo o saber humano lhe tiram as matemáticas, a astronomia, a física, a química etc. o que resta, isso é a filosofia.
As disciplinas filosóficas.
De modo que há um processo de desprendimento. As ciências particulares vão se constituindo com autonomia própria e diminuindo a extensão designada pela palavra "filosofia". Vão outras ciências saindo, e então, que resta? Atualmente, de modo provisório e muito flutuante, poderemos enumerar
do seguinte modo. as disciplinas compreendidas dentro da palavra "filosofia". Diremos que a filosofia compreende a ontologia, ou seja a reflexão sobre os objetos em geral; e como uma das partes da ontologia, a metafísica. Compreende também a lógica, a teoria do conhecimento, a ética, a estética, a filosofia da religião, e compreende ou não compreende — não sabemos — a psicologia e sociologia; porque justamente a psicologia e a sociologia estão neste momento na alternativa de se separarem ou não da filosofia. Ainda há psicólogos que querem conservar a psicologia dentro da filosofia; mas já há muitos outros, e não dos piores, que querem constituí-la em ciência à parte, independente. Pois o mesmo acontece com a sociologia. Augusto Comte, que foi quem deu nome a esta ciência (e ao fazê-lo, como diz Fausto, deu-lhe vida), ainda considera a sociologia como o conteúdo mais importante e seleto da filosofia positiva. Mas outros sociólogos a constituem já em ciência à parte. Há discussão. Não vamos nós resolver por enquanto esta discussão o assim diremos que em geral todas as disciplinas e estudos que enumerei: a ontologia, a metafísica, a lógica, a teoria do conhecimento, a ética, a estética, a filosofia da religião, a psicologia e a sociologia, formam parte e constituem as diversas províncias do território filosófico.
Podemos perguntar-nos o que há de comum nessas disciplinas que acabo de enumerar; que é o comum nelas que as faz incluir dentro do âmbito designado pela palavra "filosofia"; que têm de comum para ser todas parte da filosofia. O primeiro e muito importante que têm de comum é que todas são o resíduo desse processo histórico de desintegração.
A História pulverizou o velho sentido da palavra "filosofia". A História eliminou do continente filosófico as ciências particulares. O que restou é a filosofia. Esse fato histórico, apesar de ser somente um fato, é muito importante. É já uma afinidade extraordinária a que mantém entre si essas disciplinas, só pelo fato de serem os resíduos desse processo de desintegração do velho sentido da palavra "filosofia".
Mas aprofundemos-nos mais no problema. Por que ficaram dentro da filosofia essas disciplinas? Vou responder a esta pergunta de uma maneira muito filosófica, que consiste em inverter a pergunta. Como disse muitas vezes Bergson, uma das técnicas para definir o caráter de uma pessoa consiste não somente em enumerar o que prefere, mas também, e sobretudo, em enumerar o que não prefere; do mesmo modo, em vez de perguntarmos por que sobreviveram filosoficamente estas disciplinas, vamos perguntar-nos por que foram embora as matemáticas, a física, a química e as demais. E se nos perguntarmos por que se desprenderam, encontramos o seguinte: que uma ciência se desprendeu do velho tronco da filosofia quando conseguiu circunscrever um pedaço no imenso âmbito da realidade, defini-lo perfeitamente e dedicar exclusivamente sua atenção a essa parte, a esse aspecto da realidade.
As partes da filosofia.

Desde já dizemos que a filosofia é o estudo de tudo aquilo que ó objeto de conhecimento universal. Pois bem: de conformidade com isto, a filosofia poderá dividir-se em dois grandes capítulos, em duas grandes ciências: um primeiro capítulo ou zona que chamaremos ontologia, na qual a filosofia será o estudo dos objetos, todos os objetos, qualquer objeto, seja qual for; e outro segundo capítulo no qual a filosofia será o estudo do conhecimento dos objetos. De que conhecimento? De todo o conhecimento, de qualquer conhecimento.

Teremos assim uma divisão da filosofia em duas partes: primeiro, ontologia ou teoria dos objetos conhecidos e cognoscíveis; segundo, a gnosiologia (palavra grega que vem de gnósis, que significa sapiência, saber), que será o estudo do conhecimento dos objetos. Distinguindo entre o objeto e o conhecimento dele, teremos estes dois grandes capítulos da filosofia.
Dir-se-me-á: vimos antes algo sobre disciplinas filosóficas que agora de repente estão silenciadas. Falamos de ética, de estética, de filosofia da religião, de psicologia, de sociologia. Será que essas disciplinas saíram já do tronco da filosofia? Por que não as mencionamos? Com efeito, dentro do tronco da filosofia ocupam-se ainda os filósofos atuais dessas disciplinas; mas comparadas com as duas fundamentais que acabo de indicar — ontologia e gnosiologia — advertimos já que nessas disciplinas existe uma certa tendência a particularizar o objeto.

A ética não trata de todo o objeto cogitável em geral, mas somente da ação humana ou dos valores éticos.

A estética não trata de todo o objeto cogitável em geral. Trata da atividade produtora da arte, da beleza e dos valores estéticos.

A filosofia da religião também circunscreve o seu objeto. A psicologia e a sociologia, mais ainda.

Por isso é que estas ciências estão já saindo da filosofia. Por que não saíram ainda da filosofia? Porque os objetos a que se referem são objetos que não são fáceis de recortar dentro do âmbito da realidade. Não são fáceis de recortar porque estão intimamente enlaçados com o que os objetos são em geral e totalitàriamente; e estando enlaçados com esses objetos, as soluções que se apresentam aos problemas propriamente filosóficos da ontologia e da gnosiologia repercutem nessa lucubrações que chamamos ética, estética, filosofia da religião, psicologia e sociologia. E como repercutem nelas, a estrutura dessas disciplinas depende intimamente da posição que adotemos com respeito aos grandes problemas fundamentais da totalidade do ser. Por isso estão ainda incluídas na filosofia; mas já estão na periferia.

Já se discute, repito, se a psicologia é ou não uma disciplina filosófica. Já se discute se o é a sociologia; em pouco se discutirá se a ética o é, e amanhã… ou melhor, já hoje, há estetas que discutem se a estética é filosofia, e pretendem convertê-la numa teoria da arte independente da filosofia.

Como se vê, com essa primeira exploração pelo continente filosófico, conseguimos uma visão histórica geral. "Vimos como a filosofia começa designando a totalidade do saber humano e como dela se separam e desprendem ciências particulares que saem do tronco comum porque aspiram à particularidade, ã especialidade, a recortar um pedaço de ser dentro

terça-feira, 19 de abril de 2011

PAIDEIA: A FORMAÇÃO DO HOMEM GREGO
 Jaeger Werner
Tradução: Artur M. Parreira
O livro Paidéia  aqui  apresentado em suas partes iniciais é o estudo sobre os ideais de educação da Grécia antiga. Jaeger estudou a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade.

INTRODUÇÃO
Paidéia, a palavra que serve de título a esta obra, não é apenas um nome simbólico; é a única designação exata do tema histórico nela estudo. Este tema é, de fato,difícil de definir: como outros conceitos de grande amplitude (por exemplo os de filosofia ou cultura), resiste a deixar-se encerrar numa fórmula abstrata. O seu conteúdo e significado só se revelam plenamente quando lemos a sua história e lhe seguimos o esforço para conseguirem plasmar-se na realidade.
Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla, não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem grego. Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os Gregos entendiam por  Paidéia.
Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-las todos de uma só vez.
E, no entanto a verdadeira essência da aplicação ao estudo e das atividades do estudioso baseia-se na unidade originária de todos aqueles aspectos-unidade vincada na palavra grega-,e não na diversidade sublinhada e consumada pelas locuções modernas.
Os antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem uma arte formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura histórica objetiva da vida espiritual de uma nação. Para eles, tais valores concretizavam-se na literatura, que é a expressão real de toda cultura superior. E é deste modo que devemos interpretar a definição do homem culto apresentada por Frínico (CF. Rutherford).

 
LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado á prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a mudança das coisas, mudam os indivíduos; o tipo permanece o mesmo.
Homens e animais, na sua qualidade de seres físicos, consolidam a sua espécie pela procriação natural. Só o homem, porém, consegue conservar e propagar a sua forma de existência social e espiritual por meio das forças pelas quais a criou, quer dizer, por meio da vontade consciente e da razão, O seu desenvolvimento ganha por elas um  certo jogo livre de que carece o resto dos seres vivos, se pusermos de parte a hipótese de transformações pré-históricas das espécies e nos ativermos ao mundo da experiência dada.
 Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior, mas o espírito humano conduz progressivamente á descoberta de si próprio e cria, pelo conhecimento do mundo exterior, formas melhores de existência humana. A natureza do homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e trasmição da sua forma particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação. Na educação, como o homem a  pratica,atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies à conservação e propagação do seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente  do conhecimento e da vontade, dirigida para a consecução de um fim.
 Derivam daqui algumas considerações gerais.
 Antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprime-se em cada um dos seus membros e é no homem, muito mais que nos animais, fonte de toda ação e de todo comportamento. Em  nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus  membros  tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com a que a unem e unem os seus membros. Toda educação é assim o resultado da consciência  viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate de um agregado  mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado.
  A educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela transformação dos valores válidos para cada sociedade. A estabilidade das normas válidas corresponde a solidez dos fundamentos da educação. Da dissolução e destruição das normas advém a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa. Acontece isto quando a tradição é violentamente destruída ou sofre decadência interna. Sem dúvida, a estabilidade não é indício seguro de saúde, porque reina também nos estados de rigidez senil, nos momentos finais de uma cultura: assim sucede na China confucionista pré-revolucionária, nos últimos templos da Antiguidade, nos derradeiros dias do judaísmo, em certos períodos da história das Igrejas, da arte e das escolas científicas. É monstruosa a impressão gerada pela fixidez quase intemporal da história do antigo Egito, através de milênios; mas também entre os Romanos a estabilidade das relações sociais e políticas foi considerada como o valor mais alto e apenas se concedeu justificação limitada aos anseios e idéias inovadores.
O Helenismo ocupa uma posição singular. A Grécia representa, em  face dos grandes povos do oriente, um “progresso” fundamental, um novo “estádio” em tudo o que se refere á vida  dos homens na comunidade. Esta fundamenta-se em princípios completamente novos. Por mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar cultura só começa com os Gregos.
A investigação moderna no século passado abriu imensamente o horizonte da História. A dos gregos e Romanos “Clássicos”, que durante dois mil anos coincidiu com os limites do mundo, foi rasgada em todos os sentidos do espaço e perante o nosso olhar surgiram mundos espirituais  até então insuspeitados. Recolhecemos hoje, todavia, com a maior clareza, que tal aplicação do nosso campo visual em nada mudou este fato: a nossa história –na sua mais profunda unidade - ,assim que deixa os limites de um povo particular e nos inscreve como membros num vasto círculo de povos, “começa “ não quer dizer aqui início temporal apenas, mas ainda, origem ou fonte espiritual, a que sempre, seja qual for o grau de desenvolvimento, se tem de regressar para encontar orientação. É este o motivo por que, no decurso da nossa história, voltamos constantemente  á Grécia. Ora, este retorno á Grecia, esta espontânea renovação da sua influência,não significa que lhe tenhamos conferido,pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, fixa e independente do nosso destino. O fundamento do nosso regresso reside nas nossas próprias necessidades vitais, por mais variadas que elas sejam através da História. É claro que, para nós e para cada um dos povos deste círculo, a Grécia e Roma aparecem como algo de radicalmente estranho. Esta separação funda-se em parte no sangue e no sentimento, em parte na estrutura do espírito e das instituições, e ainda na diferença da respectiva situação histórica; mas entre esta separação  e a que sentimos ante os povos orientais, distintos de nós pela raça e pelo espírito, a  diferença é gigantesca. E é, sem dúvida, errôneo e falho de perspectiva histórica separa fa Antiguidade clássica os povos ocidentais, como alguns escritores fazem, por uma barreira comparável á que nos separa da China, índia ou Egito.
 Não se trata só de um sentimento de parentesco racial, por maior que seja a importância deste fator para a compreensão ìntima de outro povo. Ao dizermos que a nossa história começa na Grécia,precisamos adquirir uma consciência clara do sentido que neste caso damos á apalavra “história”. História significa, por exemplo, a exploração de mundos estranhos, singulares e misteriosos. Assim a concebeu Heródoto. Também hoje, com aguda percepção da morfologia da vida humana em todas as suas formas, nós nos aproximamos dos povos mais remotos e procuramos penetrar no seu espírito próprio. Mas é preciso distinguir a história neste sentido quase antropológico da história que se fundamenta numa união espiritual viva e ativa e na comunidade de um destino, que seja o do próprio povo, quer o de um grupo de povos estreitamente unidos. Só nesta espécie de história se tem uma íntima compreensão e contato criador entre uns e outros. Só nela existe uma comunidade de idéias e de formas sociais e espirituais que se desenvolvem e crescem independentes das múltiplas interrupções e mudanças através das quais varia, se cruza, choca, desaparece e se renova uma família de povos diversos na raça e na genealogia. Essa comunidade existe na totalidade dos povos ocidentais e entre estes e a antiguidade clássica. Se considerarmos a História neste sentido profundo, no sentido de uma comunidade radical,não poderemos supor-lhe como cenário o planeta inteiro e, por mais que alarguemos os nossos horizontes geográficos, as fronteiras da “nossa” história jamais poderão ultrapassar a antiguidade daqueles que há vários milênios traçaram o nosso destino. Não é possível dizer até quando a Humanidade continuará a crescer na unidade de sentido que tal destino lhe assinala, nem isso importa para o objeto do nosso estudo.
Não é Possível descrever em poucas palavras a posição revolucionadora e solidaria da Grécia na história da educação humana. O objetivo deste livro é apresentar a formação do homem grego, a Paidéia, no seu caráter particular e no seu desenvolvimento histórico. Não se trata de um conjunto de idéias abstratas, mas da própria história da Grécia na realidade concreta do seu destino vital. Contudo, essa história vivida já teria desaparecido há longo tempo se o homem grego não a tivesse criado na sua forma perene. Criou-se como expressão da altíssima vontade com que talhou o seu destino. Nos estádios primitivos do seu crescimento, não teve a idéia clara dessa vontade; mas á medida que avançava no seu caminho, ia-se gravando na sua consciência, com clareza cada vez maior, a finalidade sempre presente em que a sua vida assentava: a formação de um elevado tipo de Homem. A idéia de educação representava para ele o sentido de todo o esforço humano. Era a justificação última da comunidade e individualidade humanas. O conhecimento próprio, da inteligência clara do Grego encontravam-se no topo do seu desenvolvimento. Não há qualquer razão para pensarmos que os entenderíamos melhor pó algum gênero de consideração psicológica, história ou social.
Mesmo os imponentes monumentos da Grécia arcaica são perfeitamente inteligíveis a esta luz, pois foram criados no mesmo espírito. E foi sob a forma de Paidéia , de “ cultura”, que os Gregos consideraram a totalidade da sua obra criadora em relação aos outros povos da antiguidade de que foram herdeiros. Augusto concebeu a missão do império Romano em função da idéia da cultura grega. Sem a concepção grega da cultura não teria existido a “Antiguidade” como unidade história, nem o “mundo da cultura” ocidental.
  Hoje estamos habituados a usar a palavra cultura não no sentido de um ideal próprio da humanidade herdeira da Grécia,mas antes numa acepção bem mais comum, que a estende a todos os povos da Terra, incluindo os primitivos. Entendemos assim por cultura a totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A palavra converte-se num simples conceito antropológico descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente. Com este vago sentimento analógico, nos é permitido falar de uma cultura Chinesa,Hindu,Babilônica,hebraica ou egípcia, embora nenhum destes povos tenha palavra ou conceito que a designe de modo consciente.
É evidente que qualquer povo altamente organizado tem um sistema educativo. Mas  a “Lei e os profetas “ dos hebreus, o sistema confucionista dos Chineses,o “Hharma” Hindu são, na sua essência e na estrutura espiritual,algo fundamentalmente distinto do ideal grego de formação humana. O costume de falar de uma multiplicidade de culturas pré-helênicas tem sua origem, em última análise, no afã igualitário do positivismo, que trata as coisas alheias mediante conceitos de raiz européia, sem levar em consideração que o simples fato de submeter os mundos alheios a um sistema de conceitos que lhes é essencialmente inadequado é já uma falsificação histórica. Nela radica o círculo vicioso em que se debate a quase totalidade do pensamento histórico. Não é possível evitá-lo completamente,porque não é possível sair da nossa própria pele. Mas é necessário fazê0lo, pelo menos no problema fundamental da divisão da História ,começando pela distinção primacial entre o mundo pré-helênico e o que se inicia com os Gregos, o qual estabelece pela primeira vez de modo consciente um ideal de cultura como princípio formativo.
  Talvez não tenhamos ganhado grande coisa em afirmar que os Gregos foram os criadores da idéia de cultura e em que se pode considerar como sobrecarga essa paternidade. Mas o que hoje denominamos cultura, num tempo cansado de cultura e em que se pode considerar como sobrecarga essa paternidade. Mas o que hoje denominamos cultura não passa de um produto deteriorado,derradeira metamorfose do conceito grago originário. A paidéia não é, para os Gregos, um “aspecto exterior da vida”, incompreensível,fluido e anárquico. Tanto mais conveniente se torna, por isso, iluminar a sua verdadeira forma a fim de nos assegurarmos do seu autêntico sentido e do seu valor originário. O conhecimento do fenômeno original pressupõe uma estrutura espiritual análoga á dos Gregos, atitudes semelhante á que Goethe adota na consideração da natureza _ ainda que provavelmente sem se vincular a uma tradição histórica direta. Precisamente num momento histórico em que, pela própria razão do seu caráter epigonal, a vida humana se acolheu na rigidez da sua carapaça,em que o complicado mecanismo  da cultura se tornou hostil ás virtudes heróica,voltar os olhos para fontes de onde brota o impulso criador do nosso povo,penetrar nas chamadas profundas do ser histórico em que o espírito grego, estreitamente vinculado ao nosso, deu forma á vida palpitante que ainda em nossos dias se mantém, e eternizou o instante criador da sua irrupção. O mundo grego não é só o espelho onde se reflete o mundo moderno na sua dimensão cultural e histórica ou um símbolo da sua autoconsciência racional. O mistério e deslumbramento originário cerca a primeira criação de seduções e estímulos em eterna renovação. Quanto maior é o perigo de até o mais elevado bem se degradar no uso diário, com tanto maior vigor sobressai o profundo valor das forças conscientes do espírito que se destacaram na obscuridade do coração humano e estruturaram, no frescor matinal e com o gênio criador dos povos jovens, as mais altas formas de cultura.
    Dissemos que a importância universal dos Gregos como educadores deriva da sua nova concepção do lugar do indivíduo na sociedade. E, com efeito, se contemplamos o povo grego sobre o fundo histórico do antigo Oriente, a diferença é tão profunda que os Gregos parecem fundir-se numa unidade com o mundo europeu dos tempos modernos. E isto chega ao ponto de podermos sem dificuldade interpretá-los na linha da liberdade do individualismo moderno. Efetivamente, não pode haver contraste mais agudo que o existente entre a consciência individual do homem de hoje e o estilo de vida do Oriente pré-helênico, tal como ele se manifesta na sombria majestade das pirâmides, nos túmulos dos reis e na monumentalidade das construções orientais. Em contraste com a exaltação oriental dos homens-deuses, solitários, acima de toda a medida natural, onde se expressa uma concepção metafísica que nos é totalmente estranha; em contraste com a opressão das massas, sem a qual não seria concebível a exaltação dos soberanos e a sua significação religiosa, o início da história grega surge como princípio de uma valoração nova do Homem, a qual não se afasta muito das idéias difundidas pelo Cristianismo sobre o valor infinito de cada alma humana nem do ideal de autonomia espiritual que desde o renascimento se reclamou para cada indivíduo. E teria sido possível a aspiração do indivíduo ao valor máximo que os tempos modernos lhe reconhecem, sem o sentimento grego da dignidade humana?
É historicamente indiscutível que foi a partir do momento em que os Gregos situaram o problema da individualidade no cimo do seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da personalidade européia. Roma e o cristianismo agiram sobre ela.E da intersecção desses fatores brotou o fenômeno do individualizado. Mas não podemos entender de modo radical e preciso a posição do espírito grego na história da formação dos homens, se tomarmos um ponto de vista moderno. Vale mais partir da constituição rácica do espírito grego. A vivacidade espontânea, a sutil mobilidade, a  íntima liberdade (que parecem ter sido as condições do rápido desabrochar daquele povo na inesgotável riqueza de formas que nos surpreende e espanta ao contato com os escritores gregos de todos os tempos, dos mais primitivos aos mais modernos) não tem as suas raízes no cultivo da subjetividade, como atualmente acontece; pertencem á sua natureza. E quando esse povo atinge a consciência  de si próprio descobre, pelo caminho do espírito, as leis e normas objetivas cujo conhecimento dá ao pensamento e á ação uma segurança antes desconhecida. Do ponto de vista oriental, é impossível compreender como os artistas gregos conseguiram representar o corpo humano, livre e descontraído, fundados, não na imitação de movimentos e atitudes individuais escolhidas ao acaso, mas sim na intuição das leis que governam a estrutura, o equilíbrio e o movimento do corpo. Do mesmo modo a liberdade sofreada sem esforço, característica do espírito grego e desconhecida dos povos anteriores, baseia-se na consciência nítida de uma legalidade imanente das coisas. Os Gregos tiveram o senso inato do que significa “natureza”. O conceito de natureza, elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua  constituição espiritual. Muito antes de o espírito grego ter delineado essa idéia, eles já consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas lhes aparecia como parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava posição e sentido. Chamamos orgânica a esta concepção, porque nela todas as partes são consideradas membros de um todo. A tendência do espírito grego para a clara apreensão das leis do real, tendência patente em todas as esferas da vida – pensamento, linguagem, ação e todas as formas de arte -, radica-se nesta concepção do ser como estrutura natural, amadurecida, originária e orgânica.
 O estilo e a visão artística dos Gregos surgem, em primeiro lugar, como talento estérico. Assentam num instinto e num simples ato de visão, não na deliberada transferência de uma idéia  para o reino da criação artística . A idealização da arte só mais tarde aparece, no período clássico. É claro que não basta insistir nesta disposição natural e na inconsciência  desta intuição para explicar a razão por que aparecem os  mesmos fenômenos na literatura,cujas criações não dependem já  da visão dos olhos, mas da interação do sentido da linguagem  e das emoções da alma. Até na oratória grega encontramos os mesmos princípios formais que vemos na escultura ou na arquitetura. Referimo-nos ao caráter plástico ou arquitetônico de um poema ou de uma obra em prosa. Ao falarmos assim, não estamos pensando em valores formais imitados das artes plásticas, mas antes em normas análogas da linguagem humana e da sua estrutura. Empregamos estas metáforas apenas porque a articulação dos valores nas artes plásticas é mais intuitiva e por isso mais rapidamente apreendida. As formas literárias dos Gregos surgem organicamente, na sua multíplice variedade e elaborada estrutura, das formas naturais e ingênuas pelas quais o Homem exprime a sua vida, elevando-se daí à esfera ideal da arte e do estilo. Também na oratória, a sua aptidão para dar forma a um plano complexo e lucidamente articulado deriva simplesmente do sentido espontâneo e amadurecido das leis que governam o sentimento, o pensamento e a linguagem, o qual conduz finalmente á criação abstrata e técnica da lógica, da gramática, da retórica.
 A este respeito, aprendemos muito dos gregos: aprendemos a estabilidade férrea das formas do pensamento, da oratória e do estilo, que ainda hoje para nós são validas. Isto aplica-se ainda á criação mais bela do espírito grego, ao mais eloqüente testemunho da sua estrutura ímpar:  a filosofia.nela se manifesta da maneira mais evidente a força que se encontra na raiz do pensamento e da arte grega, a percepção clara da ordem permanente que está no fundo de todos acontecimentos e mudanças da natureza e da vida humana.Todos os povos criaram o seu código de leis; mas os Gregos buscaram a “lei” que age nas próprias coisas, e procuraram reger por ela a vida e o pensamento do homem. O povo grego é o povo filosófico por excelência. A “teoria” da filosofia grega está intimamente ligada á sua arte e á sua poesia. Não contém só o elemento racional em que pensamos em primeiro lugar, mas também, como o indica a etimologia da palavra, um elemento intuitivo que apreende o objeto como um todo na sua “idéia”, isto é, como uma forma vista.Embora estejamos cônscios do perigo da generalização e da interpretação do anterior pelo posterior, não podemos fugir á convicção de que a idéia platônica,produto único e específico do espírito Grego, nos dá a chave para interpretar a mentalidade grega em muitas outras esferas. A conexão entre as idéias platônicas e a tendência da arte para a forma foi posta em relevo desde a Antiguidade. Mas é também válida para a oratória e para a essência do espírito  grego em geral. Mesmo as concepções cosmogônicas dos mais antigos filósofos da natureza estão orientadas por uma intuição desde gênero, ao contrário da física atual, regida pela experimentação e pelo cálculo. Não é uma simples soma de observações particulares a partir de uma imagem que lhes dá uma posição e um sentido como partes de um todo. A matemática e a música gregas, na medida em que as conhecemos, distinguem-se igualmente, por esta forma ideal, daquelas dos povos anteriores.
 A posição específica do Helenismo na história da educação humana depende da mesma particularidade da sua organização íntima – a aspiração á forma que domina tanto os empreendimentos artísticos como todas as coisas da vida – e, além disso, do seu sentido filosófico do universal, da percepção das leis profundas que governam a natureza humana e das quais derivam as normas que regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na profunda intuição de Heráclito, o universal, o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é o comum na cidade. No que se referi ao problema da educação, a consciência clara dos princípios naturais da vida humana e das leis imanentes que regem as suas forças corporais e espirituais tinha de adquirir a mais alta importância.
Colocar estas como forças formativas a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens, como o oleiro modela a sua argila e o escultor as suas pedras, é uma idéia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daqueles povos artistas e pensador. A mais alta obra de arte que o seu anelo se propôs foi a criação do Homem vivo. Os Gregos viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo de construção consciente.
Constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito”, tais são as palavra pelas quais um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina descreve a essência da virtude humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se pode aplicar com propriedade a palavra formação, tal como a usou Platão pela primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a à ação educadora. A palavra alemã ( formação, configuração) é a que designa do modo mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico . Contém ao mesmo tempo a configuração artística e plástica, e a imagem, “idéia” , ou “tipo” normativo que se descobre na intimidade do artista. Em todo lugar onde esta idéia reaparece mais tarde na História, ela é uma herança dos Gregos, e aparece sempre que o espírito humano abandona a idéia de um adestramento em função de fins exteriores e reflete na essência própria da educação. O fato de os gregos terem sentido esta tarefa como algo grandioso e difícil e se terem consagrado a ela com ímpeto sem igual não se explica nem pela sua visão artística nem pelo seu espírito “teóricos”  . desde as primeiras noticias que temos deles, encontramos o homem no centro do seu pensamento. A forma humana dos seus deuses , o predomínio evidente do problema da forma humana sua escultura e na sua pintura, o movimento conseqüente da filosofia desde o problema do cosmos até o problema do homem, que culmina em Sócrates , Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema inesgotável desde Homero até os últimos séculos é o homem e o seu duro destino no sentido pleno da palavra; e, finalmente, o Estado grego ,cuja essência só pode  ser compreendida sobe o ponto de vista da formação do homem e da sua vida inteira: tudo são raios de uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital antropocêntrico que não pode ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra todas as formas do espírito grego. Assim, entre os povos, os gregos é o antropoplástico.
  Podemos agora determinar com maior precisão a particularidade do povo grego frente aos povos orientais. A sua descoberta do Homem não é a do  subjetivo, mas a consciência gradual das leis gerais que determinam a essência humana. O principio espiritual dos gregos não é o individualismo, mas o “humanismo”, para usar a palavra no seu sentido clássico e originário. Humanismo vem de humanistas. Pelo menos desde o tempo de varão e de Cícero, esta palavra teve, ao lado da acepção vulgar  e primitiva  de humanitário, que não nos interessa aqui, um segundo sentido mais nobre e rigoroso. Significou a educação do Homem de acordo com verdadeira forma humana,com seu autêntico ser. Tal é a genuína Paidéia grega,considerada modelo por um homem de Estado romano. Não brota do individual, mas da idéia .
  Acima do homem como ser gregário ou como suposto autônomo, ergue-se o Homem como idéia. A ela aspiram os educadores gregos, bem como os poetas, artistas filósofos. Ora, o Homem, considerado na sua idéia, significa a imagem do homem genérico na sua validade universal e normativa.  Como vimos, a essência da educação consiste na modelagem dos indivíduos pela norma da comunidade. Os Gregos foram adquirindo gradualmente consciência clara do significado deste processo mediante aquela imagem do home, e chegaram por fim, através de um esforço continuando, a uma fundamentação, mais segura e a mais profunda que a de nenhum povo da terra, do problema da educação.
Este ideal de Homem,segundo qual se devia formar o individuo, não é um esquema vazio, independente do espaço e do tempo. É uma forma viva que se desenvolve no solo de um povo e persiste através das mudanças históricas. Recolhe e aceita todas as transformações do seu destino e todas as fases do seu desenvolvimento histórico. O humanismo e o classicismo de outros tempos ignoraram este fato, ao falarem da “humanidade” da “cultura”,do “espírito” dos Gregos ou dos antigos como expressão de uma humanidade intemporal e absoluta. O povo Grego transmitiu sem duvida à posteridade, de forma imorredoura, um tesouro de conhecimentos imperecíveis. Mas seria um erro fatal ver na ânsia de forma dos gregos uma norma rígida e definitiva. A geometria euclidiana e a lógica aristotélica são, sem duvida, fundamento permanentes do espírito humano,validos ainda em nossos dias e dos quais não é possível prescindir. Mas até estas formas universalmente validas, independentes do conteúdo concreto da vida histórica, são, se as consideramos com um olhar impregnado de sentido histórico, inteiramente gregas e não excluem a coexistência de outras formas de intuição de pensamento lógico e matemático. Com muito maior razão é isto verdade para outras criações do gênio  grego mais fortemente moldadas pelo ambiente histórico e mais diretamente ligadas à situação do tempo.
Os Gregos posteriores , do início do império, foram os primeiros a considerar como   clássicas,naquele sentido intemporal, as obras da grande época do seu povo, que como modelos formais da arte quer como protótipos éticos. Nesse tempo em que a história grega desembocou no Império Romano e deixou de constituir uma nação independente, o único e mais elevado ideal da sua vida foi a veneração das suas antigas tradições. Desse modo foram eles os criadores daquela teologia classicista do espírito que é característica do humanismo. A sua estética é forma originaria do humanismo e da vida erudita dos tempos modernos. O pressuposto de ambos é um conceito abstrato e anti-histórico, que considera o espírito uma região de verdade e de beleza eternas, acima do destino e das vicissitudes dos povos.
Também o neo-humanismo alemão do tempo de Goethe considerou o Grego como manifestação da verdadeira natureza humano período da História definido  e único, o que é uma atitude mais próximas do racionalismo da “Época das luzes” que do pensamento histórico nascente,  ao qual com sua doutrinas deu tão forte impulso.
Daquele ponto de vista nos separa um século de investigação histórica desenvolvida em oposição ao classicismo. Quando, atualmente, com o perigo inverso de um historicismo sem limite nem fim, nesta noite em que todos os gatos são pardos, voltamos aos valores permanentes da Antiguidade , não podemos considerá-los  de novo como ídolos intemporais. A sua forma reguladora e a sua energia educadora, que ainda sentimos sobre nós, só podem manifestar-se como forças que atuam na vida histórica, como o foram no tempo em que nasceram. Já não é possível para nós uma história da literatura grega separada da comunidade social de que surgiu e á qual se dirigia. A superior força do espírito grego dependente do seu profundo enraizamento na vida comunitária, e os ideais que se manifestam  nas suas obras surgiram do espírito criador de homens profundamente informados pela vida superindividual da comunidade. O Homem  que se revela nas obras dos grande gregos é o político. A educação grega não é uma soma de técnicas e organizações privadas, orientadas para a formação de uma individualidade perfeita e independente. Isto só aconteceu na época helenista,quando o Estado grego já havia desaparecido – época da qual deriva em linha reta a pedagogia moderna. Compreende-se que o filo-helenismo d a época clássica alemã,quando o povo germânico ainda não tinha autonomia política , tenha seguido o mesmo caminho; mas o nosso próprio movimento espiritual para o Estado nos abriu os olhos e nos permitiu ver que no melhor período da Grécia  era tão inconcebível um espírito alheio ao Estado como um Estado alheio ao espírito. As maiores obras do helenismo são monumentos de uma concepção do Estado de grandiosidade sem par, cuja cadeia se desenrola numa serie ininterrupta, desde a idade heróica de Homero até o Estado autoritário de Platão, dominado pelos filósofos, e no qual o individuo e a comunidade social travam a sua ultima batalha no terreno da filosofia. Todo o futuro humanismo deve esta essencialmente  orientado  para o fato fundamental de toda a educação grega, a saber: que a humanidade, o “ser do Homem” se encontrava essencialmente vinculado ás características do Homem como ser político. O fato de os homens mais importantes da Grécia se considerarem sempre a serviço da comunidade é índice da intima conexão que com ela tem a vida espiritual criadora.
 Algo análogo parece acontecer com os povos orientais e é natural que assim seja numa ordenação da vida estreitamente vinculada à região. No entanto, os grandes homens da Grécia não se manifestam como profetas de Deus, mas antes como mestres independentes do povo e formadores dos seus ideais. Mesmos quando falam em forma de inspiração religiosa, esta assenta no conhecimento e formação pessoal. Mas por mais pessoal que esta obra do espírito seja, na sua forma e nos seus propósitos, é considerada pelos seus autores, com vigor infatigável, uma função social. A trindade grega do poeta, do Homem de Estado e do sábio encarna a mais alta direção da nação.
   Foi nets atmosfera de íntima liberdade,a  qual se sente vinculada por conhecimento  essencial, e até pela mais alta lei de divina, a serviço da totalidade, que se desenvolveu  o gênio criador dos gregos até chegar a sua plenitude educadora , tanto acima do vitalismo intelectual e artístico da nossa moderna civilização individualista . Assim se eleva“literatura” grega clássica acima da esfera do puramente estético, onde a quiseram em vão encerrar, e exerce um influxo incomensurável através dos séculos.
Por esta ação , a arte grega, nas suas melhores épocas e nas suas obras mais representativas , atuou sobre nós do modo mais vigoroso. Seria necessário escrever uma história da arte grega como espelho dos ideais que dominaram a sua vida. Também se deve dizer que até o século IV a arte grega é fundamentalmente a expressão do espírito da comunidade. Não é possível compreender o ideal, revelado nos cantos pindáricos aos vencedores, sem conhecer as estatuas que nos mostram os vencedores olímpicos na sua encarnação corporal, ou as dos deuses, como encarnação das idéias gregas sobre a dignidade da alma e do corpo humano.
O templo dórico é sem duvida, o mais grandioso monumento que deixou á posteridade o gênio dórico e o seu  ideal escrita subordinação do individual á totalidade. Habita nele a força poderosa que torna historicamente atual a vida de outrora que ele eterniza, e a fé religiosa que o inspirou. Sem duvida, os verdadeiros representantes da Paidéia grega não são os artistas mudos – escultores, pintores, arquitetos - , mas os poetas e os músicos os filósofos , os retóricos e os oradores,quer dizer, os homens de Estado . No pensamento grego, o legislador encontra-se ,em certo aspecto, muito mais próximo do poeta que o artista plástico:é  que ambos tem uma missão educadora, e só escultor que forma o Homem vivo tem direito a este titulo. Comparou-se com freqüência a ação educadora dos Gregos à dos artistas plásticos; os Gregos, porém, nunca falam da ação educadora da contemplação e da intuição das obras de arte, no sentido de winckelmann. A palavra e o som, o ritmo e a harmonia, na medida em que atuam pela palavra, pelo som, ou por ambos, são as únicas formas formadoras da alma,pois o fato decisivo em toda a Paidéia é a energia ,mais importante ainda para a formação do espírito que para a aquisição das aptidões corporais num agon. Durante todo período  clássico, mantiveram seu lugar no mundo sagrado do culto,no qual tiveram origem. Eram essencialmente agalma, ornamento.
Não sucede o mesmo com o epos heróico, do qual dimana a força educadora pra o resto da poesia . Mesmo quando está  ligado ao culto , lança as raízes num mais profundo solo social e político; com muito maior razão, quando se encontra se liberto daquele laço.
Assim, a história da educação grega coincide substancialmente com a da literatura. Esta é, num sentido originário que lhe deram  os seus criadores, a expressão do processo de auto-formação do homem grego . Independentemente disto, não possuímos nenhuma tradição escrita dos séculos anteriores á idéia clássica além do que nos resta dos seus poemas. Assim,mesmo tornando a Historia no seu mais amplo sentido, uma só coisa nos torna acessível a compreensão daquele período: a evolução e a formação do Homem na poesia e na arte. A História determinou que só isto ficasse da existência inteira do Homem. Não podemos traçar o processo de formação dos Gregos daquele tempo senão a partir do ideal de Homem que forjaram.
  Isto aponta o caminho e delimita a tarefa desta exposição. A sua escolha e a maneira de considerá-la não necessitam de justificação especial. A si próprias devem justificar-se no seu conjunto, ainda que no particular se possam,acaso, lamentar algumas omissões. Será colocado de forma nova um problema velho: o fato de o processo educativo ter sido vinculado desde sempre ao estudo da Antiguidade. Os séculos posteriores consideraram sempre a Antiguidade clássica como um tesouro inesgotável de saber e de cultura ,quer no sentido de uma dependência material e exterior, quer no de um mundo de protótipos idéias. O nascimento da moderna história da Antiguidade, considerada como disciplina cientifica , trouxe consigo uma mudança fundamental da nossa atitude para com ela. O novo pensamento histórico aspira antes de tudo ao conhecimento do que realmente foi e como foi. No seu apaixonado intento de ver claramente o passado,considerou os clássicos com um simples fragmento da História – embora um fragmento da maior importância  - , sem colocar e nem prestar atenção ao problema da sua influência direta sobre o mundo atual. Considerou-se isto um problema pessoal e o juízo sobre o seu valor foi deixado ao critério de cada um. Mas, ao lado desta história enciclopédica e objetiva da antiguidade, menos livre de valorações do que imaginam os seus mais eminentes promotores, permanece o perene influxo da “cultura clássica”, por mais que procuremos ignorá-lo. A concepção clássica da história que o sustenta foi eliminada pela investigação, e a ciência não se preocupou com dar-lhe novo fundamento. Pois bem: quando a nossa cultura toda, abalada por uma experiência histórica monstruosa, se vê forçada a um novo exame dos seus próprios fundamentos, propõe-se outra vez à investigação da antiguidade o problema,último e decisivo para o nosso próprio destino, da forma e do valor da educação clássica. Este problema só pode ser resolvido pela ciência histórica e à luz do conhecimento histórico. Não se trata de apresentar artisticamente o assunto, sob uma luz idealizaste, mas de compreender o fenômeno imperecível da educação antiga e o impulso que a orientou, a partir da sua própria essência espiritual e do movimento histórico a que deu lugar.

 A PRIMEIRA GRÉCIA

Da educação, neste sentido, distingue-se a formação do Homem por meio da criação de um tipo ideal intimamente coerente e claramente definido. Esta formação não é possível sem se oferecer ao espírito uma imagem do homem tal como ele deve ser. A utilidade lhe é individualmente ou, pelo menos não essencial. O que é fundamental nela, isto é, a beleza, no sentido normativo da imagem desejada, do ideal. O contraste entre estes dois aspectos da educação pode ser acompanhado através da história: è componente fundamental da natureza humana. As palavras com o que designamos não têm importância em si,mas é fácil ver que, ao empregamos as expressões educação e formação para designar estes sentidos historicamente distintos, educação e formação têm raízes diversas. A formação manifesta-se na forma integrada do Homem na sua conduta e comportamento exterior e na sua atitude interior. Nenhuma nem outra nasceram do acaso, mas são antes produtores de uma disciplina consciente. Já Platão a comprou aos adestramentos de cão de raça. A principio, esse adestramento limitava-se a uma conduzida classe social, a nobreza.
O grego dos tempos clássicos revela esta origem tão claramente tão como o inglês. Ambas as palavras procedem do tipo da aristocracia cavaleiresca. Desde o momento, porém, em que a sociedade burguesa dominante adotou aquelas formas, a idéia que as inspira converteu-se num bem universal e numa norma para toda agente.
È fato fundamental da história da formação que toda cultura superior surge da diferenciação das classes sociais, que por sua vez se origina da diferença natural de valor espiritual e corporal dos indivíduos. Mesmo onde a diferença de formação conduz à construção de castas rígidas, o principio da herança que nelas domina é corrigido e compensado pelas as seção de novas forças procedentes do povo. E ainda, quando uma brusca mudança arruína ou destrói as classes dominantes, forma-se rapidamente, pela própria natureza das coisas, uma classe dirigente que se costitui em nova aristocracia. A nobreza é a fonte do processo espiritual pelo qual nasce e se desenvolve a formação de personalidade nacional helênica, tão importante para o mundo inteiro.

NOBREZA E ARETE

Começa  no mundo aristocrático da Grécia primitiva com o nascimento de um ideal definido de homem superior, a o qual aspira o escol da raça. Uma vez que a mais antiga tradição escrita nos mostra uma cultura aristocrática que se eleva acima do povo, importa que a investigação histórica a tenha como ponto de partida.
Toda formação posterior, por mais elevada que seja, e ainda que mude conteúdo,conserva bem clara a marca da sua origem. A formação não é outra coisa senão a forma aristocrática, cada vez mais espiritualizada, de uma nação.
Ao contrario do que à primeira vista se poderia julgar, não se pode utilizar a história da palavra Paidéia como fio condutor para estudar a origem da função grega, porque esta palavra so aparece no séc.V . Isto é, sem duvida, um mero acaso da tradição e talvez pudéssemos atestar uso antigos, se descobríssemos novas fontes. Mas, evidentemente, nada ganharíamos com isso, pois os exemplos mais antigos mostram claramente que no inicio do século V a palavra tinha o simples significado de“ criação dos meninos” ,em nada semelhante ao sentido elevado que adquiriu mais tarde , e que é o único que nos interessa aqui. O tema é essencial da história da formação grega é antes o conceito de que remonta aos tempos mais antigos. Não temos na língua portuguesa um equivalente exato para este termo; mas a palavra “virtude” ,na sua acepção não atenuada pelo uso pura mente moral,e como expressão do mais alto ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortes  e distintas e aos heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra grega . Basta isto para concluirmos onde devemos procurar a orientação dela. È as concepções fundamentais da nobreza cavaleirescas que remonta a sua raiz. Na sua forma mais pura, e no conceito de que se concentra o ideal de educação dessa época.
O testemunho mais remoto da mais antiga cultura aristocrática helênica e Homero, se com este nome designamos as duas epopéias: Para nós,ele é ao mesmo tempo a fonte histórica da vida daqueles dias e a expressão poética imutável  dos seus ideiais. È preciso encará-los  sob os dois pontos de vista.
Por um lado, temos de extrair dele a imagem que formamos do mundo aristocrático; por outro, inquirir como o ideal de Homem ganha forma nos poemas homéricos e como a sua estreita esfera de validade originaria se alarga e se converte em força de formação de muito maior amplitude. A marcha da história da formação torna-se visível, antes de tudo,pela consideração do conjunto do flutuante desenvolvimento histórico da vida e do esforço artístico para eternizar as normas ideais em que o gênio criador de cada época encontra sua expressão mai alta.
Tanto em Homero como nos séculos posteriores, o conceito Arete é freqüentemente usado no seu sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como também a superioridade de seres não humanos: a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça. Ao contrário, o homem comum não tem Arete e, se o escravo descendente por acaso de uma família de alta estirpe, Zeus tira-lhe metade da Arete e ele deixa de ser quem era antes. A Arete é o atributo próprio de nobreza. Os Gregos sempre consideraram a despreza e a força incomum como base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e Arete estavam inseparavelmente unidos. A raiz da palavra é a mesma: superlativo de distinto e escolhido, que no plural era constantemente empregado para designar a nobreza. Para a mentalidade grega, que avaliava o Homem pelas suas aptidões , era natural encarar o mundo em geral sobe o mesmo ponto de vista.
Nisto se fundamenta o emprego da palavra no domínio das coisas não humanas, assim como o enriquecimento e a ampliação do sentido do conceito no seu desenvolvimento posterior, pois é possível suporem-se diversas medidas para a avaliação da capacidade de um homem, segundo a tarefa que tem de realizar. Só uma vez ,nos livros finais,Homero entende por Arete as qualidades morais ou espirituais. Em geral, de acordo com a modalidade de pensamentos dos tempos primitivos, designa por Arete a força e a destreza dos guerreiros por lutadores e, acima de tudo,heroísmo,considerado não no nosso sentido de ação moral e separada da força,mas sim intimamente ligado a ela.
Não é verossímil que na época em que as duas epopéias nasceram a palavra Arete  tivesse,no uso vivo da linguagem ,apenas o significado estreito dominante em Homero.A própria poesia épica reconhece já,ao lado da Arete,  outras medidas de valor. Assim, a Odisséia exalta, sob tudo no seu herói principal, acima da valentia, que passa a lugar secundário, a prudência e a astúcia. Sob o conceito de Arete é necessário compreender outras excelências alem da força  intrépida,como nos é apresentada sem contar as exceções citadas, pela poesias dos tempos mais antigos. A significação da palavra na linguagem comum penetra, evidentemente, no estilo poético; mas a Arete ,como expressão da força e da coragem heróica, estava tão fortemente enraizada na linguagem tradicional heróica , que esse significado havia de permanecer ali por muito tempo. Era natural que, na idade guerreira das grandes migrações o valor do homem fosse apreciado, sobretudo por aquelas qualidade, caso análogo aos que outros povos nos oferecem. Também o adjetivo ,que embora procedente de outra raiz corresponde ao substantivo Arete , continha em si a conjugação de nobreza e bravura militar.Às vezes significa nobre,outras,valentes ou hábil;quase nunca tem o sentido posterior de “bom”, como Arete não tem o de virtude moral. Este antigo significado perdura ainda até épocas posteriores em expressões formais do gênero de “morreu como um herói esforçado “, sentido que se encontra com freqüência em inscrições sepulcrais  e relatos de batalhas. No entanto, todas as palavras deste grupo tem em Homero , apesar do predomínio do seu significado guerreiro,um sentido “ético “ mais geral.Derivam ambos da mesma raiz :designam o homem nobre que na vida privada como na guerra regi-se por normas certas de condutas, alheias ao comum dos homens . O código da nobreza cavaleiresca tem assim uma dupla influencia na educação grega. Dela herdou a ética posterior da cidade, como uma das mais altas virtudes, a exigência da coragem cuja designação posterior – virilidade – recorda claramente a identificação homérica da coragem com a Arete varonil. Por outro lado, os mais altos preceitos de uma  conduta distinta dimana daquela fonte. Como tais , valem muito menos determinadas obrigações, no sentido de uma moral burguesa,que uma liberalidade aberta a todos e a grandeza no estilo total da vida.
O sentido do dever é nos poemas homéricos, uma característica essencial da nobreza , que se orgulha por lhe ser imposta uma medida exigente.A força educadora da nobreza reside no fato de despertar o sentimento de dever em face do ideal, que deste modo individuo tem sempre diante dos olhos.Pode –se  sempre apelar para este sentimento – e a sua violação desperta nos outros o sentimento que lhe esta estreitamente vinculada a ambos são em Homero da nobreza , baseado numa ideal ético da aristocracia. O orgulho da nobreza, baseado numa longa serie dos progenitores ilustres, é acompanhado pelo conhecimento de que esta proeminência só se pode conservar através das virtudes pelas quais conquistas.
O nome de Aristóteles  convém a um grupo numeroso;mas, no seio deste grupo que se ergue acima da massa, há luta pelo premio de Arete. A luta e a vitoria são, no conceito cavalereisco ,a autentica prova de fogo da virtude humana. Elas não significam simplesmente a superação física do adversário, a comprovação da Arete conquista na rigorosa exercitação das qualidades naturais. A palavra  aristeia ,empregada mais tarde para os combates singulares dos grande heróis  épitcos,corresponde plenamente aquela concepção. O esforço e a vida inteira desse heróis são uma luta incessante pela supremacia entre seus pares, uma corrida para alcançar o primeiro prêmio.Daí o inesgotável gáudio na narração poética dessas aristeias. Até na paz se mostra a satisfação  da rivalidade pela Arete viril, ocasião para cada um se manifestar em jogos guerreiros, como a Ilíada os descreve  a propósitos dos jogos fúnebres realizados, numa curta pausa da guerra, em honra do Pátroclo morto. Foi esta emulação que  fixou como lema da cavalaria o verso citado pelos educadores de todos os tempos, e que o igualitarismo da novíssima  sabedoria pedagógica abandonou:
Nesta frase o poeta condensou, de modo breve e certeiro, a consciência pedagógica  da nobreza . Quando Glauco  enfrenta Diomedes no campo de batalha, eu que mostrar-se adversário digno dele, enumera, á moda homérica, os seus antepassados ilustres e prossegue.Não é possível exprimir de modo mais belo como o sentimento nobre emulação informava a juventude heróica .
Para o poeta do livro XI Ilíada , este verso já era uma palavra alada. A saída de Aquiles, a uma sena de despedida muito semelhante, na qual Peleu,seu pai, dirige-lhe a mesma exortação.
Ainda em outro aspecto é a Ilíada testemunho da elevada consciência educadora da nobreza grega primitiva. Mostra como o velho conceito guerreiro da Arete já não bastava aos poetas de uma época mais juvenil, mas trazia uma nova imagem do Homem perfeito para o qual ao lado da ação estava ao lado da nobreza do espírito, e só na união de ambas se encontrava o verdadeiro objetivo. E é altamente significativo que seja o velho Fênix, educador de Aquiles, o herói-protótipo dos Gregos, quem exprime este ideal. Numa honra decisiva, Fênix recorda o jovem o fim para que foi educado:
 “Para ambas as coisas: proferir palavras e realizar ações “.
Não foi sem razão que os Gregos posteriores viram nestes versos a mais antiga formulação do ideal de formação grego, no seu esforço para abranger a totalidade do humano. Citaram-no com freqüência, no período de cultura refinada e retórica, para louvar  a alegria da ação dos tempos heróicos e opô-la ao presente ,pobre de ações e rico de palavra . Mas pode também ser citado, por outro lado, para demonstrar a feição espiritual da antiga cultura aristocrática. O domínio da palavra significa a soberania  do espírito. A frase do Fênix é pronunciada durante a recepção dada pelo colérico Aquiles à legação dos chefes gregos. O poeta o apõe a Ulisses, mestre da palavra e a Àjax , o homem da ação.Deste contraste ressalta com suprema clareza o ideal da mais formação humana, no qual Fênix , mediador e terceiro membro de embaixada ,educou o seu pupilo Aquiles,e que o poeta quer exemplificar neste herói , de todos o maior.Reconhecemos também que a originaria e tradicional identificação do sentido da palavra Arete com a destreza guerreira não constitui para uma nova idade obstáculo a transformação da imagem do homem nobre,de acordo com as mais altas exigências espirituais dela , como sucedeu na evolução posterior do significado da palavra.
   Intimamente ligada à Arete está a honra. Nos primeiros tempos era inseparável da habilidade e do mérito. Segundo a bela explicação de Aristóteles a honra é a expressão natural da medida ainda não consciente  do ideal de Arete, a que aspira.Sabe se que os homens aspiram à honra para a segurar o seu valor próprio, a sua Arete .
Deste modo, aspiram a ser honrados pelas pessoas sensatas que os conhecem, e por causa do seu próprio real valor. Reconhecem assim como mais alto desse mesmo valor.
Enquanto o pensamento filosófico posterior situa a medida na intimidade de cada um e ensina a encarar a honra como reflexo do valor interno no espelho da intima social, o homem Homérico só adquiriu consciência do seu valor pelo reconhecimento da sociedade a que permanece. Ele é um produto da sua classe e mede a Arete própria pelo prestigio que disputa entre os seus semelhantes. O homem filosófico dos tempos  seguintes pode prescindir do reconhecimento externo, embora – também segundo Aristóteles – não lhe passa ser totalmente indiferente.


Para Homero e para o mundo da nobreza desse tempo, a negação da honra era, em contrapartida, a maior tragédia humana.
Os heróis tratavam-se mutuamente com respeito e honra constantes. Assentava nisso toda a sua ordem social. A ânsia de honra era neles simplesmente insaciável, sem que isso seja característica moral peculiar aos indivíduos como tais. Era natural e indiscutível que heróis maiores e os príncipes mais poderosos exigissem uma honra cada vez mais alta. Ninguém receia, na Antiguidade, reclamar a honra cada vez mais alta. Ninguém receia, na Antiguidade, reclamar a honra devida a um serviço prestado. A exigência de pagamento é para eles aspecto secundário e de modo nenhum decisivo. O elogio e a reprovação são a fonte da honra e da desonra. Mas o elogio e a reprovação foram considerados pela ética filosófica dos tempos seguintes o fato fundamental da vida na comunidade dos homens. È difícil para o homem moderno imaginar a absoluta exposição da consciência, entre os Gregos. Para eles não existe, efetivamente, nenhum conceito como a nossa consciência pessoal. No entanto, o conhecimento de tal fato é o pressuposto indispensável à difícil inteligência do conceito de honra e do seu significado na Antiguidade. A ânsia de se distinguir e a aspiração à honra e à aprovação aparecem ao sentimento cristão como vaidade pessoal pecaminosa; os Gregos, porém, viram nisso a aspiração da pessoa ao ideal e supra pessoal, onde começa o valor. De certo modo pode-se dizer que Arete heróica só se aperfeiçoa com a morte física do herói. Ela reside no homem mortal,ou melhor, ela é o próprio homem mortal; mas perpetua-se, mesmo depois da morte, na sua fama, isto é,na imagem da sua Areta, tal como o acompanhou e dirigiu na vida, Até os deuses reclamam a sua honra e se comprazem no culto que lhes glorifica os efeitos ,castigando ciosamente qualquer violação dessa honra. Os deuses de Homero são, por assim dizer, uma sociedade imortal de nobres; e a essência da piedade e o culto grego exprimem-se no fato de honrar a divindade. Ser piedoso quer dizer “ honrar a divindade”. Honrar ao Deuses e os homens pela sua Arete é próprio do Homem primitivo.
   Assim se compreende o trágico conflito de Aquiles na Ilíada. A sua indignação contra os Gregos e a sua recusa em prestar-lhes auxilio não derivam de uma excessiva ambição pessoal. A grandeza da sua ânsia de honra corresponde à grandeza do herói e natural aos olhos do homem grego. Ofendida a honra desse herói, estremece nos seus próprios fundamentos a aliança dos heróis aqueus contra Tróia. Quem atenta contra a Arete alheia perde, em suma, o próprio sentido da Arete. O amor da pátria , que hoje resolveria a dificuldade, era alheio aos antigos nobres. Agamêmnon só consegue apelas para o seu poder soberano através  de um ato despótico , pois tal poder nem sequer é admitido pelo sentimento aristocrático, que o reconhece apenas como primus inter pares. No sentimento de Aquiles perante a negação da honra que por suas façanhas lhe é devida, imiscui-se também esta sensação da opressão despótica. Mas não é isso o fundamental. A verdadeira gravidade da ofensa esta no fato de ter sido recusa a honra de uma Arete proeminente. O segundo grande exemplo das trágicas conseqüências da honra ofendida é Ájax, o maior herói aqueu depois de Aquiles. As armas de Aquiles, caído  em combate, são concedidas a Ulisses, não obstante os superiores merecimentos de Ájax; e a tragédia deste acaba na loucura e no suicídio. A cólera de Aquiles põe o exercito grego á beira do abismo. Para Homero, saber se é possível reparar a honra ultrajada é um problema grave.
È certo que Fênix aconselha Aquiles a não esticar demais o arco e aceitar o presente de Agamêmnon como sinal de reconciliação, em atenção á aflição dos companheiros; mas que o Aquiles da tradição original não recusa a reconciliação só por teimosia, isso vemos bem no exemplo de Ájax, o qual, no inferno, não responde ás palavras compassivas do seu antigo adversário e se volta em silencio “ para as outras sombras no escuro reino dos mortos”.
Tétis suplica a Zeus:Ajuda-me e honra o meu filho, cuja vida heróica foi tão breve. Agamêmnon arrebatou-lhe a honra. Honra-o tu, ó Olímpico! E o mais alto dos deuses permitiu, em atenção a Aquiles, que os Aqueus, sem a sua ajuda, sucumbissem na luta e assim reconhecem quão injustamente haviam privado da honra o seu herói maior.
O desejo da honra já não é tido como conceito meritório pelos Gregos dos tempos que se seguiram. Corresponde mais à ambição, tal como a entendemos hoje. Isso não impede porem que mesmo na época da democracia deparemos freqüentemente com o reconhecimento e justificação daquele anseio, tanto na política dos Estados como nas relações entre os indivíduos. Nada é tão elucidativo para a compreensão profunda da elegância moral deste pensamento como a descrição, o homem magnânimo, na Ética de Aristóteles. O pensamento ético de Platão e Aristóteles baseia-se, em muitos pontos, na ética aristocrática da Grécia  arcaica. Isto exigia uma interpretação histórica minuciosa. A filosofia sublima e universaliza os conceitos que capta na sua limitação originaria, mas com isso se confirma e se define a sua verdade permanente e indestrutível idealidade. O pensamento do séc. IV é naturalmente mais diferenciado que o dos tempos homéricos, e não podemos alimentar a esperança de encontrar as suas idéias, nem equivalentes exatos delas, em Homero ou na epopéia. Mas Aristóteles, como os Gregos de todos os tempos, tem muitas vezes os olhos postos em Homero e elabora os seus conceitos de acordo com esse modelo. Por isso ele esta quase sempre mais próximos do que nós de compreender profundamente o pensamento da Grécia antiga.
O reconhecimento de altivez ou magnanimidade como virtude ética parece, à primeira vista, estranho a um homem do nosso tempo. E parece ainda mais digno de nota que Aristóteles visse aí, não uma virtude independente como as outras, mas uma virtude que as pressupõe  todas e “ que, de certo modo, é apenas o seu mais alto ornamento”. Só podemos compreender isso como exatidão se admitimos que o filósofo reserva, na sua analise da consciência moral,um lugar para a altiva Arete da velha ética aristocrática.Em outra passagem diz mesmo que Aquiles e Ájax são modelos desta qualidade. A altivez não é por si mesma um valor moral. È mesmo ridícula se não a enquadramos na plenitude da Arete, unidade suprema de todas as excelências,como sem receio o fazem Platão e Aristóteles, ao usarem o conceito. Porém o pensamento ético dos grandes filósofos atenienses permanece fiel á sua origem aristocrática, ao reconhecer que Arete só pode atingir a perfeição em almas de escol. O reconhecimento da grandeza de alma como mais elevada expressão da personalidade espiritual e ética fundamenta-se, tanto para Aristóteles como para Homero, na dignidade da Arete. A honra é o troféu da Arete; é o tributo pago á destreza. A altivez provém, assim, da Arete, mas daì resulta igualmente que altivez e a magnanimidade são o que há de mais difícil para o Homem.
     Apreendemos aqui a significação fundamental da primitiva ética aristocrática para a formação Fo Homem grego. O pensamento grego sobre o homem e sua Arete revela-se logo na unidade do seu desenvolvimento histórico. Apesar  de todas as mudanças e enriquecimentos que experimenta no decurso dos séculos seguintes, conserva sempre a forma recebida da velha ética aristocrática. Neste conceito de Arete se fundamenta o caráter aristocrático do ideal de formação dos Gregos.
 Vamos seguir ainda aqui alguns dos seus derradeiros temas.
Aristóteles pode ser, mais uma vez, nosso guia. Ele nos apresenta o esforço humano no aperfeiçoamento da Arete como o produto de uma auto-estima elevada á sua maior nobreza,  ora, isto não é um mero capricho que ele faz com Arete dos Gregos primitivos seria indubitavelmente errônea. Aristóteles, ao defender e aderir justificado, em consciente oposição ao juízo comum do seu século esclarecido e “ altruísta”, descobre uma das raízes originais do pensamento moral dos Gregos. A sua elevada apreciação da auto-estima, bem como sua valorização da ânsia de honra e da altivez, deriva do aprofundamento filosófico plenamente fecundo das instituições  fundamentais da ética aristocrática.
   Entenda-se bem que “eu “ não é o sujeito físico, mas o mais alto ideal de Homem que o nosso espírito consegue forjar e que todo nobre aspira a realizar em si próprio. Só o mais alto amor dês te “ eu “ , em que esta implícita a mais elevada Arete, é capaz de  “fazer sua beleza”. Esta frase é tão genuinamente grega, que é difícil vertê-la para idioma moderno. Aspirar à “ beleza “ (que para os Gregos significa ao mesmo tempo nobreza e eleição) e fazê-la sua é não perder nenhuma ocasião de conquistar o prêmio da mais alta Arete.
Que significado tem para Aristóteles esta “beleza”? Nosso pensamento volta-se logo para o refinado culto da personalidade de tempos posteriores, para a aspiração, característica do humanismo do séc. XVIII,á livre formação moral e o enriquecimento espiritual da própria personalidade. Mas as próprias       palavras de Aristóteles mostram, ao contrario, sem sombra de duvida, que aquilo que ele tem diante dos olhos são, acima de tudo, ações do mais alto heroísmo moral. Quem estima a si próprio deve ser infatigável na defesa dos amigos, sacrificar-se pela pátria, abandonar prontamente dinheiro, bens e honrarias para “ fazer sua  a beleza “. Esta frase curiosa sublime entrega a um ideal é para Aristóteles prova de um elevado amor-próprio. Quem esta empregado de auto-estima deseja antes viver um breve período no mais alto gozo a passará uma longa existência em indolente repouso; prefere viver só um ano por um fim nobre, a uma vasta vida por nada; escolhe antes executar uma única ação grande e magnífica, a fazer uma serie de pequenas insignificâncias.
Nestas palavras revela-se o que há de mais peculiar e original no sentimento de vida dos Gregos, aquilo por que nos sentimos essencialmente unidos  eles: o heroísmo. Elas são a chave que nos faculta a inteligência da historia grega e nos faz chegar á compreensão psicológica desta breve mas incomparável e magnífica Aristéia. Na formula “fazer sua beleza” está expresso com claridade ímpar o motivo íntimo da Arete helênica. È isto que, já no tempo da nobreza homérica, distingue o heroísmo grego do simples desprezo selvagem pela morte. È a subordinação do físico a uma “ beleza” mais elevada. Ao trocar esta beleza pela vida, o impulso natural do homem à auto-afirmação encontra no dom de si a mais alta realização. No discurso de Diótima, no Banquete de Platão,situam-se no mesmo plano o sacrifício de dinheiro e de bens, a resolução dos grandes heróis da Antiguidade no esforço, no combate e na morte, para alcançarem o premio de uma gloria duradoura, e a luta dos poetas e legisladores para deixarem à  posteridade criações imortais do seu espírito. E ambas as coisas se explicam pelo poderoso impulso do homem mostra em busca da própria imortalidade. Constituem o fundamento metafísico dos paradoxos da ambição humana e da ânsia de honra. Também Aristóteles, em um hino, que ainda subsiste, à Arete do seu amigo Hermias – príncipe de Atarneu, que morreu por fidelidade ao seu ideal filosófico e moral -, relaciona expressamente o seu conceito filosófico da Arete homérica com modelos Aquiles e Àjax. E evidente que muitos traços com que descreve a auto-estima são tiradas da figura de Aquiles.Entre os dois grandes filósofos e os poemas de Homero, estende-se a cadeia ininterrupta de testemunhos da persistência da idéia de Arete, própria dos primeiros tempos da Grécia.